Redução de financiamento do governo Trump ameaça a mídia independente globalmente

Galina Timchenko, editora e diretora-executiva da Meduza, uma plataforma de jornalismo investigativo com sede na Letônia, sempre se preparou para enfrentar os desafios impostos ao seu trabalho, que inclui reportagens incisivas e críticas ao regime do presidente Vladimir Putin. Com uma história marcada por ciberataques, ameaças legais e até tentativas de envenenamento de seus repórteres, a equipe da Meduza se mantinha firme. No entanto, uma nova crise surgiu, surpreendendo até os mais resilientes: a interrupção repentina do financiamento proveniente do governo dos Estados Unidos.
A Meduza, que contava com cerca de 15% de seu orçamento anual de recursos dos EUA, entrou em colapso financeiro após o governo do ex-presidente Donald trump decidir cancelar a assistência da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e de outras entidades federais em janeiro. Essa situação preocupante levantou alarmes não apenas sobre a viabilidade da Meduza, mas também sobre a saúde do jornalismo independente global.
Timchenko expressou sua incredulidade ao afirmar: “A USAID ou o Departamento de Estado normalmente cumprem suas obrigações. Eles seguem as normas estabelecidas. Agora, parece que vivemos em um mundo corrompido.” Os efeitos desse corte de verbas são profundos e podem ser sentidos além das fronteiras da Letônia, atingindo diretamente a qualidade da informação e a liberdade de prensa em várias partes do mundo.
Impactos diretos da suspensão de financiamento
Recentemente, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão significativa ao rejeitar, por uma margem de 5 a 4, o pedido do governo trump para congelar US$ 2 bilhões em ajuda externa. O tribunal manteve uma decisão anterior que obriga a casa branca a cumprir com os pagamentos contratados. Contudo, essa situação ainda pode evoluir, pois foi solicitado que um juiz federal esclareça as obrigações do governo — um desdobramento que pode levar a novos desafios legais.
O apoio financeiro dos Estados Unidos é crucial para a sobrevivência de muitas redações ao redor do mundo. Entidades como a USAID, o Departamento de Estado e a National Endowment for Democracy (NED), que é uma organização sem fins lucrativos, destinam anualmente cerca de US$ 180 milhões ao fortalecimento da mídia em diversos países. Com os recentes cortes orçamentários, muitas redações enfrentam uma onda de demissões, além de incertezas sobre a continuidade de suas operações a longo prazo.
Anya Schiffrin, professora da Universidade de Columbia com especialização em mídia internacional, descreveu essa situação como “um verdadeiro banho de sangue”, enfatizando que são esses os jornalistas que frequentemente responsabilizam os governos em várias partes do mundo. Sem esse apoio financeiro, a situação para o jornalismo independente se torna insustentável, com consequências devastadoras para a democracia.
Uma rede de crises no setor
A crise financeira afetou severamente o cenário midiático na Ucrânia, um país que já se encontra em estado de guerra. Estima-se que nove em cada dez veículos de comunicação na Ucrânia dependam de subsídios externos. Por exemplo, o veículo Slidstvo perdeu impressionantes 80% de seu orçamento e está agora lutando para se reerguer por meio de campanhas de crowdfunding.
Além da Ucrânia, os cortes também afetam outras nações, como Chipre, Moldávia e as Ilhas Salomão, que experimentaram reduções de financiamento que chegam a 100%. Na ilha de Malta, o Projeto Daphne, que promove o jornalismo investigativo, viu um subsídio de US$ 144 mil ser cancelado, o que representa um golpe significativo para suas operações.
Nos Estados Unidos, a administração trump intensificou sua hostilidade contra a liberdade de imprensa. Brendan Carr, presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC), promoveu investigações que visavam a PBS, NPR e Comcast. trump, por sua vez, fez questão de amplificar teorias conspiratórias ligadas a veículos de comunicação como o Politico, restringindo ainda o acesso à Associated Press.
A reação conservadora em relação à mídia
Grupos aliados a trump começaram a atacar instituições como a Organized Crime and Corruption Reporting Project (O.C.C.R.P.), que se dedica a investigar corrupção em escala global. Desde a sua fundação em Amsterdã, a O.C.C.R.P. reporta ter contribuído para mais de 730 prisões e US$ 10 bilhões em multas, mas agora também enfrenta cortes drásticos em seu financiamento, com uma perda de 38%, totalizando US$ 7 milhões. Para se adaptar à nova realidade, a organização teve que demitir 43 funcionários e reduzir a carga horária do restante da equipe em 20%.
Mike Benz, ex-funcionário do governo trump e crítico do financiamento à mídia internacional, defende que a ajuda externa mascara a censura sob o pretexto de promover democracia e transparência. Seus argumentos têm sido amplificados em plataformas de figuras proeminentes da direita, levantando preocupações sobre o futuro do jornalismo independente.
Perspectivas sombrias para o futuro
A busca por financiadores alternativos tornou-se uma questão urgente e necessária. Enquanto países como alemanha e Noruega tentam mitigar os efeitos dos cortes, os valores propostos estão longe de serem suficientes. Além disso, fundações privadas, como a Open Society Foundations de George Soros, reduziram significativamente suas doações para a mídia em 2023, criando uma lacuna maior.
No tocante a organizações como a Tracoda, que se especializa em análise de dados sobre corrupção na américa latina, a situação é dramática. Fundada em El Salvador, a Tracoda perdeu todo seu financiamento da USAID e da NED, um valor total de US$ 500 mil, resultando em demissões drásticas e a paralisação de grande parte de suas atividades. Enquanto novas medidas são buscadas, o futuro do jornalismo independente permanece incerto, aguardando as próximas decisões da Suprema Corte e a resposta da sociedade global aos desafios que se apresentam.