Enzima inovadora promete revolucionar a produção de biocombustíveis ao quebrar celulose.

A desconstrução da celulose desempenha um papel crucial na transformação da biomassa em combustíveis e produtos químicos. No entanto, a celulose, que é o polímero renovável mais abundante na Terra, apresenta uma resistência significativa à sua despolimerização biológica. Apesar de ser composta inteiramente por moléculas de glicose, sua estrutura microfibrilar cristalina, juntamente com a presença de lignina e hemicelulose nas paredes celulares dos vegetais, torna esse processo de degradação extremamente desafiador. Essa resistência resulta em uma lenta desintegração natural, necessitando de sistemas enzimáticos complexos e avançados para sua quebra. A desconstrução da celulose tem sido um desafio tecnológico persistente, especialmente por seu potencial em aumentar significativamente a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar e outras fontes renováveis.
Recentemente, uma equipe de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em colaboração com instituições no brasil e no exterior, fez uma descoberta que pode revolucionar o processo de desconstrução da celulose. Eles identificaram uma enzima inovadora que poderá facilitar, entre outras aplicações, a produção em larga escala do etanol de segunda geração, com origem em resíduos agroindustriais, como o bagaço da cana-de-açúcar e a palha do milho. Os resultados dessa pesquisa foram publicados em uma renomada revista científica no dia 12 de janeiro.
Mário Murakami, que lidera o grupo de pesquisa em biocatálise e biologia sintética do CNPEM e é um dos coordenadores do estudo, destaca que a nova metaloenzima identificada melhora significativamente a conversão da celulose por meio de um mecanismo inexplorado de ligação ao substrato e clivagem oxidativa. Essa inovação pode abrir novas portas na área da bioquímica redox, impactando diversos setores da biotecnologia.
Batizada de CelOCE, que significa “Enzima Oxidativa de Clivagem de Celulose” em inglês, essa enzima opera de uma forma totalmente nova, quebrando a celulose e permitindo que outras enzimas do sistema enzimático continuem o trabalho de conversão dos fragmentos em açúcares utilizáveis. Murakami compara a estrutura resistente da celulose a uma série de cadeados que, até então, as enzimas tradicionais não conseguiam abrir. A CelOCE atua como uma chave, permitindo que outras enzimas desempenhem seu papel de conversão. Isso cria uma sinergia, onde a ação dessa nova enzima potencializa a eficiência das enzimas tradicionais, facilitando o processo de desconstrução.
Historicamente, a introdução de mono-oxigenases ao coquetel enzimático já havia representado uma revolução no campo da biocatálise. Essas enzimas facilitam a degradação da celulose ao oxidar diretamente suas ligações glicosídicas. No entanto, a descoberta da CelOCE quebra esse paradigma, uma vez que não é uma mono-oxigenase e apresenta um aumento mesmo maior na eficiência do processo. Murakami explica que a eficiência da celulose pode ser dobrada com a adição desta nova enzima, superando o desempenho das mono-oxigenases.
Essa enzima inovadora reconhece a extremidade das fibras de celulose, se liga a elas e realiza uma clivagem oxidativa, perturbando a estabilidade da estrutura cristalina e tornando-a mais acessível às hidrolases glicosídicas. Uma característica notável da CelOCE é que, ao ser um dímero formado por duas subunidades idênticas, enquanto uma parte se liga à celulose, a outra pode gerar o peróxido necessário para desempenhar reações biocatalíticas.
A CelOCE se destaca por sua independência, já que produz seu próprio peróxido, eliminando a necessidade de adicionar agentes externos a esse processo, um grande desafio na escala industrial. A eficientização desse sistema é essencial, especialmente quando consideramos a crescente demanda por biocombustíveis em um mundo que busca alternativas sustentáveis.
Os pesquisadores conseguiram evoluir essa enzima a partir de amostras de solo rico em biodiversidade microbiana, coletadas nas proximidades de uma biorrefinaria em São Paulo. O trabalho interdisciplinar utilizado nesse estudo envolveu técnicas sofisticadas, como metagenômica e engenharia genética, permitindo uma análise detalhada do potencial biológico presente nessas amostras.
Embora a pesquisa tenha evoluído de forma promissora, Murakami enfatiza que o próximo passo é validar esses resultados em aplicações industriais, algo que é vital para o brasil. Como um dos líderes mundiais na produção de biocombustíveis, o país possui uma grande oportunidade de utilizar tecnologias inovadoras como a da CelOCE para não apenas aumentar a eficiência na produção de etanol, mas também para gerar novos biocombustíveis, como aqueles voltados para a aviação.
Atualmente, a eficiência dos processos de conversão de biomassa em biocombustíveis oscila entre 60% e 80%. Com a introdução da CelOCE, espera-se que essa eficiência aumente consideravelmente, permitindo a conversão de milhões de toneladas de resíduos em produtos valiosos. Essa abordagem não só transforma a indústria de biocombustíveis, mas também está alinhada com uma urgente necessidade global de transição energética, visando soluções sustentáveis que reduzam a dependência de combustíveis fósseis e mitiguem os impactos das mudanças climáticas.