Descoberto o Complexo Sistema de Chuvas da Amazônia: Entenda sua Importância

Um consórcio internacional de pesquisadores, com significativa contribuição de cientistas brasileiros, revelou um fascinante mecanismo físico-químico que elucida o complexo sistema de chuva na amazônia, um fenômeno que também possui considerável impacto no clima global. Esse estudo inovador explora a produção de nanopartículas de aerossóis, bem como as interações químicas e descargas elétricas que se dão em altitudes elevadas, especialmente durante a transição do dia e da noite. O resultado é a criação de uma “máquina” de aerossóis capaz de gerar nuvens, crucial para a formação de precipitação na região.
A pesquisa, que ocupou a capa da respeitável revista Nature na quarta-feira (4), delineia como o isopreno, um gás emanado pela vegetação durante seu metabolismo, é transportado para as camadas superiores da atmosfera, próximas à tropopausa, especialmente durante eventos de tempestades noturnas. Este gás é fundamental para a dinâmica atmosférica, uma vez que reações químicas associadas à radiação solar resultam em uma ampla produção de aerossóis que, por sua vez, se agrupam para formar nuvens.
Esse processo é acelerado por reações envolvendo óxidos de nitrogênio gerados por relâmpagos em nuvens ricas em cristais de gelo. Antes dessa investigação, cientistas haviam identificado as nanopartículas em expedições anteriores, mas não haviam compreendido o sistema físico-químico em sua totalidade. A crença era de que o isopreno não alcançaria as camadas altas da atmosfera devido à sua alta reatividade, que levaria à sua degradação rápida sob a exposição à luz solar.
As novas descobertas possibilitam a melhoria dos modelos climáticos que têm como objetivo simular e prever as condições do sistema terrestre, uma ferramenta essencial para entender as mudanças climáticas que afetarão nosso planeta no futuro. Para chegar a esses resultados, os pesquisadores aproveitaram dados coletados durante o experimento Café-Brasil (Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil), o único de seu tipo, que realizou uma série de voos sobre a bacia amazônica entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, a uma altitude impressionante de 14 quilômetros, equivalente ao dobro da altura do Aconcágua, o pico mais elevado da América do Sul.
Com um total de 136 horas de voo em mais de 89.000 km, o experimento abarcou uma vasta área de estudo. De acordo com o professor Luiz Augusto Toledo Machado, um dos pesquisadores brasileiros envolvidos no estudo, uma das principais conclusões é que a amazônia opera como um sistema complexo, onde diversos mecanismos e fenômenos interagem em um delicado equilíbrio ecológico. A preservação desse equilíbrio é vital para manter as condições climáticas atuais. Alterações, como aquelas provocadas pelas mudanças climáticas e o desmatamento, podem acarretar efeitos difíceis de prever e ainda não estudados.
O professor Paulo Artaxo, coordenador do Centro de Estudos amazônia Sustentável da USP, complementa que os resultados do estudo permitem uma modelagem mais confiável, levando em consideração aspectos físicos, químicos e biológicos. Artaxo alerta que as emissões de isopreno estão intrinsecamente ligadas à floresta nativa. Quando a vegetação é substituída por pastagens ou cultivos, esse mecanismo de produção de partículas é comprometido, resultando em uma redução significativa das chuvas. Isso ilustra uma realimentação negativa no sistema climático total.
Estudos recentes do MapBiomas revelaram que entre 1985 e 2023, a principal causa do desmatamento na amazônia foi a conversão de áreas florestais em pastagens, com um aumento alarmante de 363% nessa prática. Isso resultou em 14% da amazônia convertida em áreas destinadas à pecuária, o que impacta ainda mais a dinâmica de chuvas na região.
As florestas tropicais são conhecidas por liberarem compostos orgânicos voláteis, como o isopreno, que desempenham papéis cruciais na química atmosférica. Estudos estimam que globalmente, as florestas emitem mais de 500 milhões de toneladas de isopreno anualmente, com um quarto dessa quantidade originário da amazônia. Curiosamente, pesquisas anteriores haviam sugerido que o isopreno não alcançava as altitudes mais elevadas devido à sua rápida degradação por radicais hidroxila, mas as novas evidências mostram que uma quantidade significativa de isopreno pode efetivamente ser transportada para camadas mais altas, especialmente durante as tempestades tropicais.
Essas tempestades funcionam como um mecanismo de transporte, permitindo que os gases, como o isopreno, sejam elevados para altitudes consideráveis por meio da convecção intensa, semelhante a um aspirador. Esse fenômeno se intensifica em regiões úmidas e quentes, onde correntes de ar ascendente favorecem o transporte. Ao atingir altitudes entre 8 km e 15 km, as temperaturas podem cair drasticamente, resultando na formação de nitratos orgânicos que, por sua vez, geram nanopartículas de aerossóis.
Esses aerossóis, que possuem concentrações impressionantes superiores a 50.000 partículas por centímetro cúbico, são essenciais para a geração de nuvens, influenciando significativamente o ciclo hidrológico global e o clima. À medida que esses novos mecanismos são incorporados nos modelos climáticos, a previsão de chuvas, especialmente em regiões tropicais, se tornará mais precisa.
A pesquisa foi financiada por meio de um projeto vinculado ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e teve a colaboração de diversas instituições, incluindo a Universidade Goethe de Frankfurt e o Instituto Max Planck de Química. O experimento Café-Brasil, por sua vez, envolveu uma abordagem inovadora, realizando voos detalhados que proporcionaram insights valiosos sobre a dinâmica atmosférica na amazônia.
Com esse avanço científico, há uma expectativa crescente de que as novas descobertas possam não apenas enriquecer o entendimento sobre a complexidade dos sistemas climáticos, mas também contribuir para estratégias de preservação ambiental que garantam a manutenção do equilíbrio climático global.