“Adolescência: O Hit que Retrata o Abismo Geracional através do Crime”

são paulo, SP
Na introdução da série “Adolescência”, a narrativa se desenrola de forma intensa quando a polícia faz uma chocante invasão à casa de uma família logo ao amanhecer, detendo um garoto de apenas 13 anos, acusado de um assassinato ocorrido na noite anterior. O desespero é palpável enquanto ele grita no furgão que o leva para a delegacia, onde será fichado e interrogado, acompanhado apenas pelo pai. À medida que a história avança, os investigadores apresentam imagens confusas de uma câmera de segurança, revelando o garoto esfaqueando uma jovem em um estacionamento, trazendo à tona o verdadeiro drama da trama.
Com uma proposta ousada, “Adolescência” é filmada em um formato único, em um fluxo contínuo de 60 minutos sem cortes, o que mantém o público na ponta da cadeira durante todo o episódio. O espectador, juntamente com o pai do protagonista, desvenda os detalhes sombrios que cercam o crime, que tornou a série da Netflix um dos destaques da atualidade. Já elogiada por críticos como uma das melhores produções televisivas de todos os tempos, “Adolescência” está sendo considerada uma forte concorrente a prêmios Emmy, que celebram a excelência na televisão.
A minissérie é composta por quatro episódios, cada um com cerca de uma hora, todos realizados em tomadas contínuas. A narrativa aprofunda-se nas motivações por trás do crime e nas consequências devastadoras que esse ato brutal traz para a vida familiar de Jamie, brilhantemente interpretado pelo jovem Owen Cooper, em seu debut como ator. Stephen Graham, conhecido por seus papéis em clássicos como “Snatch” e “Gangues de Nova York”, dá vida ao pai, Eddie, um encanador que encarna o estereótipo de um provedor de classe média, cujas certezas são quebradas pela ocorrência de um ato inimaginável.
Embora “Adolescência” não seja baseado em uma única história, suas narrativas complexas têm raízes em múltiplos eventos reais. Graham, que também é um dos criadores do seriado, revelou que a inspiração surgiu a partir da observação de uma série de notícias que reportavam casos de jovens meninos atacando garotas com facas na inglaterra. Dados do Ministério da Justiça britânico corroboram a atualidade da trama: de março de 2022 a março de 2023, cerca de 17,3% dos jovens infratores, entre 10 e 17 anos, foram condenados por posse de armas perigosas, refletindo um problema social que “Adolescência” busca explorar.
A profundidade da trama vai além do ato de esfaqueamento, ao abordar a falta de um relato simplista sobre o crime. A família de Jamie não é apresentada como um bode expiatório para os problemas sociais. “Eu não queria que o pai dele fosse um homem violento ou que a mãe tivesse problemas com álcool. Buscamos uma explicação que não fosse simplista”, comentou Graham, revelando a intenção de apresentar uma narrativa mais rica e complexa.
No centro da história, os desafios enfrentados por Jamie envolvem uma vida virtual tóxica permeada por misoginia expressa nas redes sociais. A série destaca como a internet pode se tornar um espaço perigoso, onde o protagonista é bombardeado por conteúdos nocivos. Somente através da interação de um colega, os investigadores conseguem compreender as mensagens ocultas nas postagens, simbolizadas por emojis, que aparecem frequentemente em círculos sociais juvenis, mas que são incompreensíveis para os adultos.
De acordo com Esmir Filho, diretor brasileiro que retrata a juventude em suas obras, a série expõe um universo que parece inatingível para os mais velhos, sugerindo que a perspectiva dos jovens oferece insights valiosos para a sociedade. Além disso, a temática do bullying – tanto físico quanto virtual – é uma especificidade da narrativa. O protagonista enfrenta ataques na escola e online, sendo chamado de “incel”, um termo que descreve homens que sentem raiva das mulheres e compartilham esse sentimento em comunidades da internet.
Diferente das gerações passadas, que podiam escapar do bullying escolar ao retornarem para casa, os adolescentes de hoje estão constantemente conectados, expostos a um ciclo de violência que nunca desacelera. A educadora Carolina Delboni enfatiza que, com a ascensão das redes sociais, o assédio virtual se intensificou, fazendo com que os jovens estejam sempre sob a mira da agressão psicológica. Nesse contexto, os pais frequentemente se distanciam, perdendo a capacidade de entender as dinâmicas sociais que envolvem seus filhos.
Além disso, “Adolescência” estreou há pouco tempo e rapidamente se tornou um sucesso global na Netflix, liderando audiência em 71 países, incluindo o brasil. Essa recepção é atribuída à relevância da narrativa, atuações potentes, e à inovadora abordagem visual da série, que mantém a câmera em movimento constante, oferecendo uma experiência intensa e imersiva ao espectador.
Ao abordar questões tão contundentes, “Adolescência” promete abrir o debate sobre a vida jovem contemporânea, ecoando produções passadas que também exploraram a violência entre jovens. Com suas temáticas pertinentes, a série se destaca como uma obra que busca não só entreter, mas também provocar reflexões profundas sobre a experiência adolescente na era digital, convidando os espectadores a compreender melhor os desafios enfrentados pela juventude atual.